— Tio Bento, dizia Anacleto Monteiro; eu não poderei decentemente viver enquanto aquele mau coração palpitar...
— Perdoa-lhe...
— Não há perdão para semelhante monstro!
Bento Fagundes ficara aflito, ia de um para outro, sem alcançar mais resultado com este que com aquele; caía-lhe o rosto, sombreava-se-lhe o espírito; terrível sintoma: o gamão foi posto de lado.
Enquanto não punham em execução o plano trágico, cada um dos dois rivais lançou mão de outro, menos trágico e mais seguro: a calúnia. Anacleto escreveu a Carlota dizendo que Adriano, se se casasse com ela, pôr-lhe-ia às costas quatro filhos que já tinha de uma mulher íntima. Adriano denunciou o primo à namorada como um dos mais insignes beberrões da cidade.
Carlota recebeu as cartas no mesmo dia, e não soube desde logo se devia crer ou não. Inclinou-se ao segundo alvitre, mas os dois rivais não ganharam com esta disposição da moça, porque, recusando dar crédito aos filhos de um e ao vinho do outro, acreditou somente que ambos tinham sentimentos morais singularmente rasteiros.
— Creio que são dois peraltas, disse ela com seus colchetes.
Esta foi a oração fúnebre dos dois namorados.
Posto que ambos os primos calcassem o pó da Praia da Gamboa para ver a moça e disputá-la, perdiam o tempo, porque Carlota teimava[1] em não aparecer. O caso irritou-os ainda mais um contra o outro, e por pouco não vieram de novo às mãos.
Nisto interveio um terceiro namorado, que em poucos dias deu conta da mão, casando com a bela Carlota. Ocorreu o fato três semanas depois do duelo manual dos dois parentes. A notícia foi um pouco mais de combustível lançado na fogueira de ódios acesos entre eles; nenhum dos dois acusou Carlota ou o destino, mas o adversário.
A morte da sra. D. Leonarda trouxe um intervalo às dissensões domésticas da casa de Bento Fagundes, cujos últimos dias eram assim bastante amargurados; mas foram apenas tréguas.
O desgosto profundo, de mãos dadas com uma víscera inflamada, puseram o pobre boticário na cama um mês depois do casamento de Carlota e na sepultura cinqüenta dias mais tarde. A doença de Bento Fagundes foram novas tréguas e desta vez mais sinceras, porque a coisa era mais importante.
Prostrado na cama, o boticário via os dois sobrinhos servirem-no com muita docilidade e brandura, mas via também que um abismo os separava