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Uma tranqüilidade mais aparente que real fizera-lhe supor que Emília podia suportar o golpe daquela revelação.

Isto foi o que o animou a falar.

O grito de Emília teve um eco em Vicente. O velho soltou um grito igual quando viu a filha a seus pés sem dar acordo de si.

Ao princípio supô-la morta.

— Minha filha! Morta! Morta!

Prestaram-se a Emília os primeiros cuidados.

O infeliz pai, quando teve conhecimento de que a filha ainda vivia, respirou de alívio.

Depois mandou chamar o médico.

O médico veio, e depois de examinar a moça disse que respondia pela vida dela.

— Sr. doutor, disse Vicente ao médico à porta da rua, a morte desta menina é a minha morte. Salve-a!

— Pode ficar descansado, respondeu o médico.

Então começou para Vicente uma vida de dedicação. Como exatamente nas vésperas tivesse recebido o decreto de aposentação, achou-se ele livre da obrigação de freqüentar a secretaria. Podia ser todo para a filha. Dias e noites passou-as ao pé do leito de Emília, consolando-a, animando-a, pedindo-lhe que achasse na própria enormidade do crime de Valentim razão para desprezá-lo. A ciência e os conselhos animadores de Vicente obraram de comum no restabelecimento de Emília. No fim de um mês, a moça estava de pé.

Enquanto se achava fraca, e como já não houvesse razão para tocar no doloroso assunto da perfídia de Valentim, o pai de Emília esquivou-se a falar-lhe dos motivos que tinham prostrado a filha.

A convalescença correu regularmente. O que não se pôde vencer foi a tristeza de Emília, mais profunda então do que outrora.

Muitas vezes a moça esquecia-se do pai e de todos, e com o olhar fixo e sem expressão parecia entregue a dolorosas reflexões.

Nessas ocasiões Vicente procurava distraí-la de algum modo, sem, todavia, aludir a nada que fosse de Valentim.

Enfim, Emília ficou completamente restabelecida.

Um dia Vicente, em conversa com ela, disse-lhe que passada a funesta tempestade do coração cumpria-lhe não se escravizar a um amor que tão indignamente votara a Valentim. Estava moça; considerar empenhado o coração naquele erro do passado era cometer um suicídio sem proveito, nem razão legítima.