uma das suas irreverentes diabruras? Só uma supposição havia, que não era inteiramente desarrazoada; David Ouguet podia estar possesso, em consequência de algum grave peccado; peccado que talvez tivesse escondido na ultima confissão, que fizera na vespera de Natal. Isto era possivel, e até natural; que não vivia elle a mais justificada vida. Suppôr que endoudecêra parecia grande desproposito; porque nenhum motivo havia para tal lhe acontecer, quando merecêra os gabos d’elrei e de todos, por ter levado a cabo a grandiosa obra que lhe estava encommendada. Estes e outros raciocinios, hoje ridículos, mas segundo as idéas daquella epocha hem fundados e correntes, fazia o reverendo padre procurador Fr. Joanne, que tinha vindo assistir ao auto, e estava em pé atraz do estrado, e perto de Fr. Lourenço Lamprêa. Revolvendo taes pensamentos, no meio daquelle silencio ancioso em que todos estavam, não pôde ter-se que, pé ante pé, se não chegasse ao prior, e lh’os communicasse em voz baixa, e ao ouvido.
“Não vou fóra disso:”—respondeu o prior, que, emquanto o outro frade lhe falára, estivera dando á cabeça em signal de approvação.—“O olhar espantado, o escumar, o estorcer os membros, o falar não sei de que feiticeiro;