Página:Lendas e Narrativas - Tomo I.djvu/299

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julgaram que um cégo para nada podia prestar.”

“Pois se ousaes levar a cabo vosso desenho, eu ordeno que o façaes, e desde já vos nomeio de novo mestre das obras do mosteiro, e David Ouguet vos obedecerá.”

“Senhor rei—­disse o cégo, erguendo a fronte, que até alli tivera curvada:—­vós tendes um sceptro e uma espada; tendes cavalleiros e bésteiros; tendes ouro e poder: Portugal é vosso, e tudo quanto elle contém, salvo a liberdade de vossos vassallos: nesta nada mandaes. Não!... vos digo eu: não serei quem torne a erguer essa derrocada abobada! Os vossos conselheiros julgaram-me incapaz d’isso: agora elles que a alevantem.”

As faces de D. João I tingiram-se do rubor do despeito.

“Lembrae-vos, cavalleiro,—­disse elle—­de que falaes com D. João I.”

“Cuja corôa—­acudiu o cégo—­lhe foi posta na cabeça por lanças, entre as quaes reluzia o ferro da que eu brandia. D. João I é assaz nobre e generoso, para não se esquecer de que nessas lanças estava escripto:—­os vassallos portuguezes são livres.”

“Mas—­tornou elrei—­os vassallos que desobedecem aos mandados daquelle em cuja casa