Página:Lendas e Narrativas - Tomo II.djvu/149

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anda toda arrebicada por baralhotas, em quanto a pobre da mãe moureja todo o sancto dia ao sol e á neve naquelle rio, para ganhar um bocado de pão sem vergonha da cara. Havia de ser comigo!”

E o mais é que a tia Jeronyma não se enganava nas suas previsões. Chegou vespera de Reis: houve á noite brincadeira ou baile extraordinario: passou-se ahi tudo na melhor ordem: riu-se, tocou-se viola, dançou-se, cantou-se ao desafio, e cada qual se recolheu a esperar entre os lençoes os sanctos Reis magnos, designação popular dos magos do Oriente, cuja vinda a Bethlem se memora na Epiphania.

Houve, porém, nessa noite um saloio mais cortez, que esperou vestido e ao relento, no caminho da serra, a vinda dos tres sanctos personagens. Foi o Manuel da Ventosa, estendido com uma tremebunda e magnifica massada, de que esteve ido, a ponto de dar ao padre prior uma daquellas noitadas que suscitavam a colera da tia Jeronyma, e de que já acima fiz honrosa e especifica menção.

O Manuel da Ventosa era filho unico d’um moleiro ricaço, chamado Bartholomeu, velho honrado, mas avarento como seiscentos Satanáses. Teve a ventura (o rapaz, entende-se) de caír em graça á Bernardina. Amoricos