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acharia força para mentir; mas tinha apenas sede de prazer; fazia dessa moca uma idéia talvez falsa; e receava seriamente que uma frase minha lhe doesse tanto mais, quanto ela não tinha nem o direito de indignar-se, nem o consolo que deve dar a consciência de uma virtude rígida.

Quando me lembrava das palavras que lhe tinha ouvido na Glória, do modo por que Sá a tratara e de outras circunstâncias, como do seu isolamento a par do luxo que ostentava, tudo me parecia claro; mas se me voltava para aquela fisionomia doce e calma, perfumada com uns longes de melancolia; se encontrava o seu olhar límpido e sereno; se via o gesto quase infantil, o sorriso meigo e a atitude singela e modesta, o meu pensamento impregnado de desejos lascivos se depurava de repente, como o ar se depura com as brisas do mar que lavam as exalações da terra.

E continuávamos a conversar tranqüilamente de mil coisas, menos daquela que me tinha levado à sua casa. Não posso repetir-lhe todo esse longo diálogo; mal conseguirei recompor com as minhas lembranças algum fragmento dele.

— Há muito tempo que está no Rio de Janeiro? perguntou-me Lúcia depois de uma pausa.

— Há pouco mais de um mês. Cheguei justamente no dia em que a encontrei pela primeira vez.

— Ah! no mesmo dia?...

Acabava de desembarcar.

— Mas naquela tarde, lembro-me... o senhor estava fumando. Se quer, pode acender o seu charuto; não me incomoda.

Recusei por delicadeza.

— Veio passear? Demora-se pouco naturalmente.