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(Gerez, Suajo, Estrela e mais ao Sul,
Caramulo e Grelheira, enormes seios
Que amamentam de nevoa o céu azul)
Para os lados saudosos do Poente,
Se afunda enternecido e se dilue
N'um nevoeiro lúcido e tremente
Que é o Phantasma do Mar aparecido...


A Saudade e Marános caminhavam,
Ébrios de sol, de azul e de amplidão,
Vestindo com a luz enamorada
De seus olhos a Serra do Marão
Que não era insensivel, com certeza,
Aquele amôr profundo que devia
Tocá-la mesmo até no que ela tem
De esteril terra e bruta penedia!
E Marános, o Esposo, e a Saudade,
Sua divina Esposa, alegres, viam
A aparição da Serra e a claridade
Em que essa aparição se desenhava,
Tão real e tão nitida, apezar
De todo o corpo, ou de homem ou montanha,
Ser uma sombra apenas, um luar,
Um sonho semelhante aos outros sonhos.
E viam seu perfil mysterioso
Mudando de expressão a cada passo...
Serra cheia de caras que um saudoso
E escuro pensamento eleva aos astros!
Esphinge monstruosa da Natura,
Interrogando as Almas que a contemplam...
Voz dos rochedos, voz da terra dura,

Falando á Dôr que passa em fórma humana!