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Página:Maria Feio - Doida Não (1920).pdf/91

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« Não há manicomios, não há cadeias, não há leis, não há homens que nos separem. »

Mas, vendo-o agora engrandecido e nobre, renunciar a todas as esperanças e a todos os amores, emolados á felicidade de outros sêres, escravo do dever e soberano da bondade, talvez lhe diga liberta da sua fraqueza, e redimida dos seus impulsos: « Parte, levando de mim apenas a recordação e a essência da bondade, que foi a semente pura dêste amor de perdição.

O mundo é vasto e a sorte protectora de quem é digno, bom, trabalhador e justo.

Abriu-se á luz da razão a treva do desvário que te aproximou do meu exilado e piedoso coração.

Em hora trágica e tormentosa, ouvi, entre punhais de remorso e angústia, o grito pungente de tua mãe que bradára em soluçante agonia quando dela te apartára a tragedia do nosso amor: « Nunca mais verei o meu filho![1]».

E preciso que ela te veja, que ela te abrace, que lhe sejas restituido livre, redimido de culpas, resgatado de fraquezas, de deshonrosas e indignas cubiças.

Recordas-te da scena de Roção[2], dos gritos das inocentes crianças ao apartarem-se do Pai[3], que com tanta franquez me recebera em sua casa, misturados com os soluços da mãe dêsses inocentes, ao roubarem-lhe o marido? Tenho sempre presente as meus olhos, o cantinho dessa casa, onde, em lágrimas banhada. uma outra mãe gemia ao ver que lhe levaram preso o seu amparo, o seu querido filho. E essa santa velhinha, que eu abracei chorando, pedindo-lhe perdão

  1. Páginas 63 do livro « Doida Não! »
  2. Era o primo de Manuel.
  3. Este capitulo é transcrito do livro mencionado.