Página:Memórias Pósthumas de Braz Cubas.djvu/188

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— De que?

— De fugir. Iremos para onde nos fôr mais commodo, uma casa grande ou pequena, á tua vontade, na roça ou na cidade, ou na Europa, onde te parecer, onde ninguem nos aborreça, e não haja perigos para ti, onde vivamos um para o outro... Sim? fujamos. Tarde ou cedo, elle póde descobrir alguma cousa, e estarás perdida... ouves? perdida... morta... e elle tambem, porque eu o matarei, juro-te.

Interrompi-me; Virgilia empallidecêra muito, deixou cair os braços e sentou-se no canapé. Esteve assim alguns instantes, sem me dizer palavra, não sei se vacillante na escolha, se aterrada com a idéa da descoberta e da morte. Fui-me a ella, insisti na proposta, disse-lhe todas as vantagens de uma vida a sós, sem zelos, nem terrores, nem afflicções. Virgilia ouvia-me calada; depois disse:

— Não escapariamos talvez; elle iria ter commigo e matava-me do mesmo modo.

Mostrei-lhe que não. O mundo era assás vasto, e eu tinha os meios de viver onde quer que houvesse ar puro e muito sol; elle não chegaria até lá; só as grandes paixões são capazes de grandes acções, e elle não a amava tanto que pudesse ir buscal-a, se ella estivesse longe. Virgilia fez um gesto de espanto e quasi indignação; murmurou que o marido gostava muito della.

— Póde ser, respondi eu; póde ser que sim...

E fui até a janella, e comecei a assobiar e a rufar com os dedos no peitoril, Virgilia chamou-me; eu