Página:Memórias Pósthumas de Braz Cubas.djvu/311

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— Imagina, por exemplo, que eu não tinha nascido, continuou o Quincas Borba; é positivo que não teria agora o prazer de conversar comtigo, comer esta batata, ir ao theatro, e para tudo dizer n’uma só palavra: viver. Nota que eu não faço do homem um simples vehiculo de Humanitas; não, elle é ao mesmo tempo vehiculo, cocheiro e passageiro; elle é o proprio Humanitas reduzido; dahi a necessidade de adorar-se a si proprio. Queres uma prova da superioridade do meu systema? Contempla a inveja. Não ha moralista grego ou turco, christão ou mussulmano, que não troveje contra o sentimento da inveja. O accordo é universal, desde os campos da Iduméa até o alto da Tijuca. Ora bem; abre mão dos velhos preconceitos, esquece as rhetoricas rafadas, e estuda a inveja, esse sentimento tão subtil e tão nobre. Sendo cada homem uma reducção de Humanitas, é claro que nenhum homem é fundamentalmente opposto a outro homem, quaesquer que sejam as apparencias contrarias. Assim, por exemplo, o algoz que executa o condemnado póde excitar o vão clamor dos poetas; mas substancialmente é Humanitas que corrige em Humanitas uma infracção da lei de Humanitas. O mesmo direi do individuo que estripa a outro; é uma manifestação da força de Humanitas. Nada obsta (e ha exemplos) que elle seja egualmente estripado. Si entendeste bem, facilmente comprehenderás que a inveja não é senão uma admiração que luta, e sendo a luta a grande funcção do genero humano, todos os sentimentos bellicosos são os mais adequados á sua felicidade. Dahi vem que a inveja é uma virtude.