Estavamos á porta de casa; deram-me uma carta, dizendo que vinha de uma senhora. Entramos; e o Quincas Borba, com a discrição propria de um philosopho, foi ler a lombada dos livros de uma estante, emquanto eu lia a carta, que era de Virgilia:
«Meu bom amigo,
«D. Placida está muito mal. Peço-lhe o favor de fazer alguma cousa por ella; mora no becco das Escadinhas; veja se alcança metel-a na Misericordia.
Sua amiga sincera,
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Não era a letra fina e correcta de Virgilia, mas grossa e desegual; o V da assignatura não passava de um rabisco sem intenção alphabetica; de maneira que, se a carta apparecesse, era mui difficil attribuir-lhe a autoria. Virei e revirei o papel. Pobre D. Placida! Mas eu tinha-lhe deixado os cinco contos da praia da Gambôa, e não podia comprehender que...
— Vaes comprehender, disse o Quincas Borba, tirando um livro da estante.
— O que? perguntei espantado.
— Vaes comprehender que eu só te disse a verdade. Pascal é um dos meus avós espirituaes; e, comquanto a minha philosophia valha mais que a delle, não posso negar que era um grande homem. Ora,