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É verdade que eu estava a meio tiro de espingarda dos atiradores francezes. Mas quem se não aventurou nem perdeu nem ganhou.

Encarreguei um bravo carreteiro de me procurar trabalhadores e de se occupar de todas as pequenas doçuras de que os meus podiam ter necessidade durante a fadiga, copos de vinho e gotas de aguardente, etc. Era um bravo patriota que mais tarde pagou caro o seu patriotismo; Ciceravacchio era o seu sobrenome, seu nome, Angelo Brunetto.

Nunca quiz receber um soldo sequer por seus trabalhos e fornecimentos.

Ha homens n’este mundo em cujas almas Deus põe dobrada porção de perfectibilidade. Em dias tranquillos trabalham para o allivio e instrucção da humanidade, e esforçam-se a facilitar a marcha do progresso; então chamam-se Gutemberg, Vicente de Paula, Galileo, Vico, Rousseau, Volta, Filangieri, e Francklin. Em tempos de calamidade, veem-nos repentinamente surgir, guiar as massas e expôr-se com firmeza ao choque das desfortunas. Então o reconhecimento do mundo os designa sob os nomes de Arnoldo de Mescia, de Savonarole, de Cola di Riezzo, de Masaniello, de José de Lesi, e de Ciceravecchio.

Estes homens nascem sempre pobres na classe popular, n’esta classe que nas épocas desastrosas é sempre a privilegiada no soffrimento; mas, que gemendo, medita; sonhando, espera; soffrendo, trabalha.

Angelo Brunetto, como disse, era um d’estes entes; nada lhe faltou para a consagração da missão recebida pelo martyrio.

Durante todo o cerco de Roma foi a bandeira viva do povo. Applaudido, procurado, acolhido por seus companheiros como uma authoridade, era elle o verdadeiro primus inter pares; mas apezar de seus triumphos, não ficou menos modesto, vivendo como sempre vivêra; franco, leal, honrado, devia sua importancia ao trabalho, a affeição