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Predisse-me que eu morreria em Roma na edade de trinta e seis annos muito rico. Em 1838 n’uma viagem que fiz a pé de Napoles a Salerno, persegui n’um campo de algodão uma cigana de dezoito annos cujos olhos eu queria absolutamente beijar. Ella defendeu-se com a sua faca; oppuz á arma offensiva uma defensiva; era um bello escudo (moeda) novo. Recebendo o escudo predisse-me, examinando-me a mão, que eu morreria em Roma, na edade de trinta e seis annos muito rico. Estou no trigesimo setimo anno; e sem ser muito rico, sou-o sufficientemente para um homem que vae morrer. Mas sou fatalista como um mahometano. O que está escripto está escripto. Dê-me o manjar, general.

Rimos da historia de Vecchi, mas Manara guardava o seu serio dizendo:

— É o mesmo, Vecchi, eu só me tranquillisarei depois de findo o dia.

Depois, virando-se para mim:

— Por Deus general, não o mandeis hoje a parte alguma.

Isto effectuou-se assim; Vecchi estava horrivelmente fatigado por ter velado as duas precedentes noites, e depois do jantar, pediu-me para se retirar e ir repousar um pouco.

— Deita-te no meu leito, se queres, disse Manara, embora elle fallasse serio ou proseguisse a galanteria. Em nome de Deus, não quero que saias!

Vecchi deitou-se no leito de Manara.

Uma hora depois vi que os officiaes francezes collocavam saccos cheios de terra no fosso aberto em frente do nosso bastião. Procurei ao redor de mim um official para dirigir contra elles o fogo de uma duzia de atiradores.

Não sei onde tinha enviado todos, que me achava só.

Pensei no pobre Vecchi, que dormia com os punhos cerrados. Tinha dó de o despertar, mas as balas faziam uma ceifa horrivel. Puchei-o pela perna. Abriu os olhos.