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Entrei n’uma estalagem. Um mancebo e uma mulher ainda joven estavam á mesa esperando pela ceia.

Pedi alguma cousa de comer: desde a vespera que não havia tomado nenhum alimento.

O dono da hospedaria convidou-me para ceiar na sua companhia e de sua mulher. Acceitei.

A comida era boa, o vinho do paiz agradavel, e o fogo excellente. Senti então um d’esses momentos de bem estar e felicidade, como só se experimentam depois de se haver passado um perigo, e quando se julga não haver mais nada a receiar.

O dono da hospedaria felicitou-me pelo meu bom appetite, e pelo meu rosto alegre e prasenteiro.

Disse-lhe que o meu appetite não tinha nada de extraordinario, porque não tinha comido havia dezoito horas e que o achar-me alegre e satisfeito era por haver escapado talvez á morte no meu paiz — e em França á prisão.

Tendo-me adiantado tanto, não podia fazer segredo do resto. O estalajadeiro e sua mulher pareciam-me tão boas pessoas que lhe contei tudo.

Então, com grande espanto meu, o estalajadeiro ficou pensativo.

— Que tem? lhe perguntei.

— É que depois da confissão que acaba de fazer, respondeu elle, não tenho remedio senão prendel-o.

Dei uma grande gargalhada porque não tomei este dito ao serio, e demais se o fosse eramos um contra um, e não havia no mundo um unico homem que eu temesse.

— Bem, disse eu, mas como julgo que não tem muita pressa, peço-lhe que me deixe ceiar com todo o descanço, pois temos muito tempo depois do dessert. E continuei comendo sem mostrar a mais leve inquietação.

Infelizmente vi bem depressa que se o estalajadeiro tivesse necessidade de ajudantes para realisar os seus projectos, esses ajudantes não lhe faltavam.