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MEMORIAS DE UM NEGRO
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Como grande numero de brancos combatia numa guerra que teria como resultado a sujeição do preto, caso o Sul triumphasse, julgarão talvez que a minha raça nutria sentimentos de animadversão contra os seus dominadores. Entre os negros da nossa fazenda isso não se dava, e tambem não se dava na massa da população do Sul, onde quer que o escravo tivesse um tratamento razoavel. Na guerra civil um dos moços da casa grande morreu e dois foram gravemente feridos. Recordo-me da tristeza que os pretos manifestaram quando souberam da morte do Senhor Billy. E não era uma tristeza fingida, longe disso. Alguns tinham cuidado do Senhor Billy quando elle era pequeno, outros haviam brincado com elle. Senhor Billy intercedera por muitos quando o feitor ou o amo os açoitava. A dor da senzala não era menor que a da casa grande. A chegada dos rapazes feridos, exprimia-se de muitas fórmas e sympathia dos escravos: queriam trata-los, velal-os. Essa bondade, essa ternura da gente submissa vinha da sua natureza generosa. Os brancos andavam na guerra — e os escravos dariam a vida para defender as mulheres e as crianças da fazenda. O que pernoitava na casa grande, na ausencia dos homens, occupava um lugar de honra: teria de passar por cima delle quem pretendesse tocar na sinhá moça ou na sinhá dona.