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MEMORIAS DE UM NEGRO
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Ohio, lá ficou. Quando a liberdade veio, devia ainda uns trezentos dollars daquelle negocio. Está claro que não devia nada, mas foi á Virginia, a pé, e entregou ao antigo proprietario o dinheiro todo e mais os juros. Contando-me essa historia, o homem me declarou saber que não estava obrigado a pagar semelhante divida, mas que, tendo dado a sua palavra, era necessario cumpril-a. Não enganava ninguem. E não se considerava livre emquanto não tivesse pago. Concluirão talvez que os escravos não aspirassem á liberdade. Não é exacto: nunca vi um que não quizesse ser livre ou que desejasse voltar ao captiveiro.

Lastimo sinceramente a nação ou o grupo de individuos infelizes, presos na engrenagem da escravidão, mas já não tenho odio aos brancos do Sul que nos mantinham captivos. Não é possivel pretender que uma região seja mais responsavel que outra por aquella desgraça, aliás reconhecida e amparada muitos annos pelo governo federal. Entrando na vida economica e social da Republica, essa instituição difficilmente seria extirpada.

Por outro lado, se nos desembaraçarmos de parcialidade e preconceitos de raça e olharmos as coisas de perto, reconheceremos que, apesar da crueldade e da injustiça que aqui existiam, os dez milhões de negros educados na escola da escravidão

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