a comadre e a vizinha dos maus agouros.
D. Maria era uma mulher velha, muito gorda; devia ter sido muito formosa no seu tempo, porém dessa formosura só lhe restavam o rosado das faces e alvura dos dentes; trajava nesse dia o seu vestido branco de cintura muito curta e mangas de presunto, o seu lenço também branco e muito engomado ao pescoço; estava penteada de bugres, que eram dois grossos cachos caídos sobre as fontes; o amarrado do cabelo era feito na coroa da cabeça, de maneira que simulava um penacho. D. Maria tinha bom coração, era benfazeja, devota e amiga dos pobres, porém em compensação destas virtudes tinha um dos piores vícios daquele tempo e daqueles costumes: era a mania das demandas. Como era rica, D. Maria alimentava este vício largamente; as suas demandas eram o alimento da sua vida; acordada pensava nelas, dormindo sonhava com elas; raras vezes conversava em outra coisa, e apenas achava uma tangente caía logo no assunto predileto; pelo longo habito que tinha da matéria, entendia do riscado a palmo, e não havia procurador que a enganasse; sabia todos aqueles termos jurídicos e toda a marcha do processo de modo tal, que jurídicos lhe levava nisso a palma. Essa mania chegava nela à impertinência, e aborrecia desesperadamente a quem a ouvia, falando nos últimos provarás que lhe tinha feito o seu letrado nos autos da sua demanda de terras, nas razões finais que se tinham apresentado na ação que intentava contra um dos testamenteiros de seu pai, no depoimento das testemunhas no seu processo por causa da venda das suas casas, na citação que mandara fazer a um seu inquilino que