Página:Memorias de um sargento de milicias.djvu/202

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— A lição hoje foi comprida, devoto... as raparigas parece que gostam mais? da lambetice do que da reza.

— Não, respondeu o velho com sua voz fanhosa, elas não vão mal, empacam em alguns lugares, mas sempre vão indo; bem sabe também que sempre trago comigo o santo remédio.

E afagou o cabo da palmatória com que sempre andava armado.

— Ah! então esteve o devoto de conversa; gosta também de dar à língua...

— Não desgosto; mas também não digo senão aquilo que sei, isto é, aquilo que ouço; os outros gastam o seu tempo a ver e a ouvir; eu, como não posso senão ouvir, emprego a falar o que os mais empregam a ver; falo, e falo muito; mas que quer se me sobra tempo para isso; e demais, bem sabe que não é trabalho que canse. Meus pais eram Algarves, e eu não quero desmentir a minha paternidade.

— Então já sei que hoje desenterraram-se mortos e enterraram-se vivos; pois eu não posso fazer outro tanto, porque vou aqui muito e muito zangada de minha vida. Se o devoto, como é homem que muito gira por toda esta cidade, souber por aí notícias de meu afilhado Leonardo, queira vir dar-me parte, pois saiu-nos ele hoje de casa lá por causa de umas histórias, e não sei por onde andará dando com os ossos.

— Ora, isto fica por minha conta; não há nada mais fácil do que dar com ele.

E aqui terminou esta conversa que tinha lugar na porta da rua, e com a qual não ficara a comadre muito contente. D. Maria, que ouvira tudo, veio ao