o nosso Leonardo pode dizer alguma coisa a respeito. Viviam em quase completa ociosidade; não tinham noite sem festa. Moravam ordinariamente um pouco arredados das ruas populares, e viviam em plena liberdade. As mulheres trajavam com certo luxo relativo aos seus haveres: usavam muito de rendas e fitas; davam preferência a tudo quanto era encarnado, e nenhuma delas dispensava pelo menos um cordão de ouro ao pescoço; os homens não tinham outra distinção mais do que alguns traços fisionômicos particulares que os faziam conhecidos.
Os dois meninos com quem o pequeno fugitivo travara amizade pertenciam a uma família dessa gente que morava no largo do Rossio, lugar que tinha por isso até algum tempo o nome de campo dos Ciganos. Tinham esses meninos, como dissemos, pouco mais ou menos a mesma idade que ele: porém acostumados à vida vagabunda, conheciam toda a cidade, e a percorriam sós, sem que isso causasse cuidado a seus pais; nunca faltavam a acompanhamento de via-sacra, nem a outra qualquer coisa desse gênero. Encontrando-se nessa noite, como já sabem os leitores, com o nosso futuro clérigo, a ele se associaram, e o carregaram para casa de seus pais, onde, como de costume, havia festa de ciganos (e este costume ainda hoje se conserva); faziam, dissemos, festa todos os dias, porém motivavam-na sempre. Hoje era um batizado, amanhã um casamento, agora anos deste, logo anos daquele, festa deste, festa daquele santo. Na noite de que tratamos havia um oratório armado, e festejava-se um santo de sua devoção; não lhe sabemos o nome.
Pelo caminho o menino teve alguns escrúpulos e quis voltar, porém os outros tal pintura lhe fizeram