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O ESCARAVELHO DE OURO
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este receio era só de Legrand, porque, quanto a mim, qualquer interrupção que me tivesse fornecido um pretexto para conduzir á casa o meu visionario, teria sido bemvinda. Mas o barulho foi abalado, graças a Jupiter, que saltou fóra do fôsso, com um ar furiosamente decidido, açamou a guella do animal servindo-se para isso d'um dos seus suspensorios e voltou depois ao trabalho, com um ar de triumpho muito grave.

N'aquellas duas horas tinhamos attingido uma profundidade de cinco pés, sem que nenhum indicio de thesouro se apresentasse. Fizemos uma pausa geral, e eu começei a esperar que a farça estivesse terminada. Comtudo, Legrand, bem que evidentemente muito desapontado, limpou a fronte com ar pensativo e tornou a pegar na enxada. O nosso buraco occupava já toda a extensão do circulo de quatro pés de diametro; rompemos ligeiramente aquelles limites e cavámos ainda dois pés. Não appareceu cousa alguma. O nosso buscador de ouro, que deveras me inspirava piedade, saltou emfim para fóra do buraco, com o mais horroroso desespero escripto no semblante, e decidiu-se lentamente, e como com saudades, a tornar a vestir o casaco, que tirára antes de começar o trabalho. Eu abstive-me de dizer uma unica palavra; e Jupiter, a um signal do seu senhor, começou a juntar os utensílios. Isto feito e o cão tendo sido desaçamado, puzemo-nos a caminho em profundo silencio.

Ainda não tinhamos talvez dado doze passos, quando Legrand, proferindo uma jura terrivel, agarrou Jupiter pela golla do casaco. O negro, estupefacto, escancarou os olhos e a bocca, largou as enxadas e cahiu de joelhos.

— Scelerado! bradava Legrand, rangendo os dentes, negro infernal! infame negro!