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Página:Novellas extraordinarias.pdf/291

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O GATO PRETO





Com respeito á historia singularissima que vou escrever, não espero nem solicito a crença do leitor.

Realmente, seria loucura esperal-a n'um caso em que, eu mesmo, não posso acreditar o que vi. Comtudo, não estou doido; e por certo que não sonho.

Vou morrer amanhã; por isso quero hoje descarregar a consciencia. O meu designio immediato é patentear ao mundo, clara, succintamente e sem commentarios, uma série de simples acontecimentos domesticos; acontecimentos terriveis, cujas consequencias funestas me conduziram ao anniquilamento. Não tentarei, porém, explical-os: para mim não encerram senão horror! Muitas pessoas achal-os-ão mais extravagantes que terriveis. Um dia, apparecerá talvez, alguma intelligencia que reduza o meu phantasma á classe dos objectos communs: uma intelligencia mais tranquilla, mais logica e muito menos excitavel que a minha, a qual não verá nas circunstancias, que narro com pavor, senão uma successão ordinaria de causas e de effeitos muito naturaes.

Na minha infancia e mesmo depois, fui conhecido por uma humanidade de caracter e por uma sensibilidade tão excessiva que chegava a fazer de mim o joguete dos outros rapazes. Pelos animaes, sobretudo, tinha uma