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O GATO PRETO
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veis, fui buscar um pouco de cal e areia, e preparei um reboco, que não se poderia distinguir do autigo, com o qual tornei a cobrir os ladrilhos. Quando acabei, vi com satisfação que a parede não apresentava o menor vestigio de ter sido mexida. Apanhei todas as caliças, catei por assim dizer o solo; olhei triumphantemente em redor de mim, e disse commigo mesmo : « Não perdi o meu tempo. »

Terminada aquella operação, procurei o bicho, que tinha sido causa de tamanha desgraça, porque, emfim, tinha resolvido positivamente dar cabo d'elle. Se o tivesse achado n'aquelle momento, a sua sorte estava decidida; mas parecia que o artíficioso animal, assustado pela violencia recente da minha ira, decidira não apparecer, pelo menos emquanto eu não tivesse mudado de humor.

E'impossivel descrever ou imaginar a profunda e agravel consolação, que a ausencia do detestavel gato produziu na minha alma. Passou-se a noite, e o bicho não appareceu! Tambem, foi a primeira noite feliz, desde que o maldito tinha entrado em casa; a primeira noite que dormi tranquillo e profundamente. (Sim, dormi; sem sentir no coração o peso de um assassinio!)

Decorreram o primeiro e o segundo dia, sem que o meu carrasco voltasse; respirei como um homem a quem acabam de restituir a liberdade. O monstro espavorido tinha deixado a casa para sempre: não o tornaria pois a vêr! A minha felicidade era suprema!

A criminalidade do assassinio inquietava-me pouco ou nada. A justiça tinha feito uma especie de investigação e ia mesmo proceder a uma pesquiza; mas era mais que provavel que não descobrisse nada minha felicidade futura não me inspirava o menor receio.

No quarto dia depois do crime, os agentes da poli-