Saltar para o conteúdo

Página:O Barao de Lavos (1908).djvu/63

Wikisource, a biblioteca livre

habitual de disfarçar. E que a sala em volta se apropriara à hipocrisia do dono, via-se na ordenação pautada, quase severa, do seu arranjo.

O sol, que luzia de chapa nos prédios fronteiros, coava pela trama dos stores corridos uma luz uniforme, pacífica, suave, de atelier ou de templo, mascarando, por uma anomalia picante, com a sua meia-tinta parada e discreta aquela estância cachoante de paixão. Por forma que esse corpo humano, ali mineralizado, imóvel, devastado interiormente por uma turbamulta de desejos, dava a aparência calma e solene de uma estátua ou de um deus.

Tinha 32 anos o barão, e contudo dir-se-ia ao vê-lo que orçava já pelos quarenta. A sua finíssima pele, que fora tão alva, lanugenta e macia, perdera toda a mimosa frescura da adolescência. Endurecera, espessara, asperizara-se, granulara em concreções de tofus, orografara-se em vermelhidões de urticária, deixara roer toda a suavidade feminil da sua cor dos 15 anos pela erupção pintalgada e luzente da dermatose que lhe envenenava o sangue. Via-se a magreza estirando e cavando em volta dos malares salientes a face desfibrinada. Os olhos, grandes e negros, conservavam a mesma cintilação ardente; mas uma leve tinta cor-de-rosa lhe debruava as pálpebras, em cujo ângulo exterior uma purulência branca se pusera a ressumar, teimosa; e a descamação farelenta da pityriasis polvilhava-lhe abundante o bigode e as sobrancelhas. Uma calvície prematura começava a despovoar-lhe a frente e os lados da cabeça, rasgando uma testa larga, dominadora, inteligente, que seria formosíssima se não aparecesse