Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/16

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Nunca fora querido das devotas; arrotava no confessionário, e, tendo vivido sempre em freguesias da aldeia ou da serra, não compreendia certas sensibilidades requintadas da devoção: perdera por isso, logo ao princípio, quase todas as confessadas, que tinham passado para o polido padre Gusmão, tão cheio de lábia !

E quando as beatas, que lhe eram fiéis, lhe iam falar de escrúpulos de visões, José Miguéis escandalizava-as, rosnando:

— Ora histórias, santinha! Peça juízo a Deus! Mais miolo na bola!

As exagerações dos jejuns sobretudo irritavam-no:

— Coma-lhe e beba-lhe, costumava gritar, coma-lhe e beba-lhe, criatura!

Era miguelista — e os partidos liberais, as suas opiniões, os seus jornais enchiam-no duma cólera irracionável:

— Cacete ! cacete ! exclamava, meneando o seu enorme guarda-sol vermelho.

Nos últimos anos tomara hábitos sedentários, e vivia isolado — com uma criada velha e um cão, o Joli. O seu único amigo era o chantre Valadares, que governava então o bispado, porque o senhor bispo D. Joaquim gemia, havia dois anos, o seu reumatismo, numa quinta do Alto Minho. O pároco tinha um grande respeito pelo chantre, homem seco, de grande nariz, muito curto de vista, admirador de Ovídio — que falava fazendo sempre boquinhas, e com alusões mitológicas.

O chantre estimava-o. Chamava-lhe Frei Hércules.

Hércules pela força — explicava sorrindo, Frei pela gula.