cabo pelo mesmo processo de uma filhita de dez anos, é entre o clero um homem excelente, porque cumpre os seus deveres de devoto e toca figle nas missas cantadas. Enfim, amigo, estas coisas são assim. E parece que são boas, porque há milhares de pessoas respeitáveis que as consideram boas, o Estado mantém-nas, gasta até um dinheirão para as manter, obriga-nos mesmo a respeitá-las, - e eu, que estou aqui a falar, pago todos os anos um quartinho para que elas continuem a ser assim. Tu naturalmente pagas menos...
— Pago sete vinténs, senhor doutor.
— Mas enfim vais às festas, ouves música, sermão, desforras-te dos teus sete vinténs. Eu, o meu quartinho perco-o; consolo-me apenas com a idéia de que vai ajudar a manter o esplendor da Igreja - da Igreja que em vida me considera um bandido, e que para depois de morto me tem preparado um inferno de primeira classe. Enfim, parece-me que temos cavaqueado bastante... Que queres mais?
João Eduardo estava acabrunhado. Agora que escutava o doutor, parecia-lhe, mais que nunca, que se um homem de palavras tão sábias, de tantas idéias, se interessasse por ele, toda a intriga seria facilmente desfeita e a sua felicidade, o seu lugar na Rua da Misericórdia recobrados para sempre.
— Então vossa excelência não pode fazer nada por mim? disse muito desconsolado.
— Eu posso talvez curar-te de outra pneumonia. Tens outra pneumonia a curar? Não? Então...
João Eduardo suspirou:
— Sou uma vítima, senhor doutor!