— E é o que eu vou provar cabalmente ao senhor administrador do concelho!
Na sua precipitação zelosa de conservador indignado, ia mesmo de chinelas e quinzena de laboratório: mas Amparo alcançou-os no corredor:
— Oh filho, a sobrecasaca, põe a sobrecasaca ao menos, que o administrador é de cerimônias!
Ela mesmo lha ajudou a enfiar, enquanto o Carlos, com a imaginação trabalhando viva (aquela desgraçada imaginação que, como ele dizia, até às vezes lhe dava dores de cabeça), ia preparando o seu depoimento, que faria ruído na cidade. Falaria de pé. Na saleta da administração seria um aparato judicial; à sua mesa, o senhor administrador, grave como a personificação da Ordem; em redor os amanuenses, ativos sobre o seu papel selado; e o réu, defronte, na atitude tradicional dos criminosos políticos, os braços cruzados sobre o peito, a fronte alta desafiando a morte. Ele, Carlos, então, entraria e diria: "Senhor administrador, aqui venho espontaneamente pôr-me ao serviço da vindita social!"
— Hei-de-lhes mostrar, com uma lógica de ferro, que é tudo resultado duma conspiração do racionalismo. Podes estar certa, Amparozinho, é uma conspiração do racionalismo! disse, puxando, com um gemido de esforço, as presilhas dos botins de cano.
— E repara se ele fala da pequena, da S. Joaneira...
— Hei-de tomar notas. Mas não se trata da S. Joaneira. Isto é um processo político!
Atravessou o largo majestosamente, certo que os vizinhos, pelas portas, murmuravam: Lá vai o