Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/452

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assim descarnadamente, parecia-lhe terrível. Não que lamentasse a sua virgindade, a sua honra, o seu bom nome perdido. Sacrificaria mais ainda por ele, pelos delírios que ele lhe dava. Mas havia alguma coisa pior a temer que as reprovações do mundo: eram as vinganças de Nosso Senhor. Era da perda possível do Paraíso que ela gemia baixo; ou de mais medonho ainda, de algum castigo de Deus, não das punições transcendentes que acabrunham a alma além da tumba, mas dos tormentos que vêm durante a vida, que a feririam na sua saúde, no seu bem-estar e no seu corpo. Eram vagos medos de doenças, de lepras, de paralisias ou de pobrezas, de dias de fome - de todas essas penalidades de que ela supunha pródigo o Deus do seu catecismo. Como em pequena, nos dias em que se esquecia de pagar à Virgem o seu tributo regular de Salve-Rainhas, temia que ela a fizesse cair na escada ou levar palmatoadas da mestra, arrefecia de medo agora, à idéia de que Deus, em castigo dela se deitar na cama com um padre, lhe mandasse um mal que a desfigurasse ou a reduzisse a pedir esmola pelas vielas. Estas idéias não a deixavam, desde o dia em que na sacristia pecara de concupiscência dentro do manto de Nossa Senhora. Tinha a certeza que a Santa Virgem a odiava, e que não cessava de reclamar contra ela; debalde procurava abrandá-la, com um fluxo incessante de orações humilhadas; sentia bem Nossa Senhora, inacessível e desdenhosa, de costas voltadas. Nunca mais aquele divino rosto lhe sorrira; nunca mais aquelas mãos se tinham aberto para receber com agrado as suas orações, como ramos congratulatórios.