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Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/47

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à noite as lições; e invejavam todos os destinos livres ainda os mais humildes — o almocreve que viam passar na estrada tocando os seus machos, o carreiro que ia cantarolando ao áspero chiar das rodas, e até os mendigos errantes, apoiados ao seu cajado, com o seu alforje escuro.

Da janela dum corredor via-se uma volta de estrada: à tardinha uma diligência costumava passar, levantando a poeira, entre os estalidos do chicote, ao trote das três éguas, carregadas de bagagem; passageiros alegres, que levavam os joelhos bem embrulhados, sopravam o fumo dos charutos; quantos olhares os seguiam! quantos desejos iam viajando com eles para as alegres vilas e para as cidades, pela frescura das madrugadas ou sob a claridade das estrelas!

E no refeitório, diante do escasso caldo de hortaliça, quando o regente de voz grossa começava a ler monotonamente as cartas de algum missionário da China ou as Pastorais do senhor bispo, quantas saudades dos jantares de família! As boas postas de peixe! O tempo da matança! Os rijões quentes que chiam no prato! Os sarrabulhos cheirosos!

Amaro não deixava coisas queridas: vinha da brutalidade do tio, do rosto enfastiado da tia coberto de pó-de-arroz; mas insensivelmente pôs-se também a ter saudades dos seus passeios aos domingos, da claridade do gás e das voltas da escola, com os livros numa correia, quando parava encostado à vitrina das lojas a contemplar a nudez das bonecas!

Lentamente, porém, com a sua natureza incaracterística, foi entrando como uma ovelha indolente