Página:O Crime do Padre Amaro.djvu/537

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duma Babilônia e em que sentia o duro egoísmo das multidões azafamadas, esforçava- se mesmo por desenvolver mais esse amor que lhe dava como a doçura duma companhia. Achava-se menos isolado, tendo sempre no espírito aquela imagem com quem travava diálogos imaginados, nos seus infindáveis passeios ao longo do Cais do Sodré, acusando-a das tristezas que o envelheciam.

E esta paixão, sendo para ele como a indefinida justificação das suas misérias, tomava-o aos seus próprios olhos interessante. Era "um mártir de amor"; isto consolava-o, como o consolara nas suas primeiras desesperações considerar-se "uma vítima das perseguições religiosas". Não era um pobre-diabo banal a quem o acaso, a preguiça, a falta de amigos, a sorte e os remendos do casaco mantêm fatalmente nas privações da dependência: era um homem de grande coração, a quem uma catástrofe em parte amorosa e em parte política, um drama doméstico e social, forçara assim, depois de lutas heróicas, a viajar de um a outro cartório com um saco de lustrina cheio de autos. O destino tornara-o igual a tantos heróis que lera nas novelas sentimentais... E o seu paletó coçado, os seus jantares a quatro vinténs, os dias em que não tinha dinheiro para tabaco, tudo atribuía ao amor fatal de Amélia e à perseguição duma classe poderosa, dando assim, por um instinto muito humano, uma origem grandiosa às suas misérias triviais... Quando via passar os que ele chamava felizes - indivíduos batendo tipóia, rapazes que encontrava com uma linda mulher pelo braço, gente bem atabafada que se dirigia aos teatros, sentia-se menos desgraçado pensando