alta magreza e o seu ar solitário. Amélia um dia tinha-lhe chamado Tio Cegonha; mas mordeu logo o beiço, toda envergonhada.
O velho pôs-se a sorrir:
— Ai, chame, minha rica menina, chame! Tio Cegonha?... ora, que tem? Cegonha sou eu, e bem cegonha!
Era então no Inverno. As grandes chuvas com os sudoestes não cessavam; a áspera estação oprimia os pobres. Viam-se naquele ano famílias esfomeadas indo à câmara pedir pão. O Tio Cegonha vinha sempre ao meio-dia dar a lição; o seu guarda-chuva azul deixava um ribeiro na escada; tiritava; e quando se sentava escondia, na sua vergonha de velho, as botas encharcadas com a sola aberta. Queixava-se sobretudo do frio das mãos, que o impedia de ferir com justeza o teclado, e não o deixava escrever no cartório.
— Prendem-se-me os dedos, dizia tristemente.
Mas quando a S. Joaneira lhe pagou o primeiro mês das lições, o velho apareceu muito contente, com umas grossas luvas de lã.
— Ah, Tio Cegonha, como vem quentinho! disse-lhe Amélia.
— Foi o seu dinheiro, minha rica menina. Agora ando a juntar para umas meias de lã. Deus a abençoe, minha menina, Deus a abençoe!
E tinham-se-lhe arrasado os olhos de lágrimas. Amélia tomara-se a "sua rica amiguinha". Já lhe fazia confidências: contava-lhe as suas necessidades, as saudades da filha, as suas glórias na Sé de Évora, quando diante do senhor arcebispo, vistoso