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Sérgio Branco

Cupis faz menção expressa ao fato em suas páginas introdutórias à matéria: “[p]ense-se, por exemplo, no direito moral do autor. A essencialidade apresenta-se, em tal espécie de direitos, como atenuada, pois que o fim de assegurar um valor concreto à personalidade não chega a exigir necessariamente e só por si a sua existência, mas simplesmente a continuação desta, uma vez que eles são revelados pela eventual existência de uma figura que acresce ao pressuposto da personalidade”[1].

Com palavras a nosso ver mais claras, afima um tanto adiante que “[o] direito moral de autor, (...), não é um direito inato. De fato, só surge em seguida a um ato de criação intelectual. Quer dizer, não corresponde a todo aquele que seja munido de personalidade, mas àquele que, além de ter personalidade, se qualifique ulteriormente como ‘autor’”[2]. Além disso, o ato de criar é uma faculdade que pode jamais vir a ser exercida[3].

Mas não só quanto a não serem de fato inatos repousa a crítica que pode ser tecida contra a tese de se defender os direitos morais do autor como direitos de personalidade. Todos os demais direitos desta categoria (v.g. imagem, privacidade, honra, nome, integridade psicofísica) encontram-se presentes de maneira indissolúvel ao próprio titular. Já o direito moral do autor depende de um fator exógeno para existir: a exteriorização da obra intelectual.

Em síntese, o ato de criação será o fato gerador do surgimento de ambos os feixes de direitos garantidos aos autores: os patrimoniais e os morais. É a criação da obra (exteriorizada por qualquer meio ou fixada em qualquer suporte, nos termos da lei) que garante a proteção autoral. Adriano de Cupis não vê nesse fato qualquer obstáculo, ao afirmar[4]:


Por consequência, o fato de o direito moral de autor não ser inato, e de o seu fato constitutivo ser o mesmo que para o direito patrimonial de autor, não constitui argumento para negar a sua autonomia a respeito deste último, uma vez que, tendo embora a mesma origem, a sua vida segue regras próprias e distintas, correspondentes ao seu caráter de essencialidade. O sujeito adquire ao mesmo tempo, enquanto autor, o direito patriomonial e o direito moral de autor. Mas, como veremos, estes dois direitos cessam de existir a par quando o primeiro se destaca da pessoa.


Parece-nos que o entendimento de Adriano de Cupis pode ser sintetizado da seguinte forma: os direitos morais de autor, ainda que não sejam inatos e ainda que tenham

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  1. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 27.
  2. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 337.
  3. Segundo Luis Felipe Ragel Sánchez, “[a] maioria dos autores negam que os direitos morais de autor seja, direitos da personalidade. (...) O principal argumento apresentado consiste em afirmar que as pessoas têm liberdade de criar obras intelectuais, mas nem todas as pessoas as criam”. Tradução livre do autor. No original, lê-se que: “[l]a mayoría de los autores niegan que los derechos morales del autor sean derechos de la personalidad. (...). El principal argumento esgrimido consiste en afirmar que las personas tienen libertad de crear obras intelectuales pero no todas las personas las crean”. RAGEL SÁNCHEZ, Luis Felipe. La Propriedad Intelectual como Propriedad Temporal. Cit.; p. 22.
  4. CUPIS, Adriano de. Os Direitos da Personalidade. Cit.; p. 338.