Página:O Gaucho (Volume II).djvu/155

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dois vultos queridos sumiam-se num turbilhão espesso; e o painel suave não era mais do que um charco de sangue coalhado de ossos.

A alma do gaúcho se embotara; nem para a vingança tinha mais as energias de outrora. Vingar-se de quem, de um vil animal faminto, que saciara a rafa? Nessa existência fulminada só palpitava ainda uma fibra: a do dever, ou antes, da lealdade. Dedicara-se a uma causa: não podia repudiá-la.

No meio destas cogitações, o pêlo do alazão que Manuel cobrira de uma crosta de lama para disfarçá-lo, hispou-se com um ligeiro arrepio, e a ponta das orelhas afiladas canutaram-se com excessiva rijeza, o que denotava extrema atenção. Despertado por estes sinais, e vendo o largo peito do corcel que sublevava-se num amplo resfôlego, Manuel lançando rapidamente a mão às narinas do cavalo, pôde recalcar a tempo o possante nitro que se desatava já.

Devia ser bem poderosa a causa, que assim perturbava o inteligente corcel, fazendo-o esquecer sua prudência e calma inalterável em face