Página:O Inferno (1871).pdf/141

Wikisource, a biblioteca livre
O INFERNO
121


Outros viajantes espirituaes foram mais obsequiados. Houve tal que viu no inferno grandes cidades a arder, Babylonia e Ninive, e até Roma, com os seus palacios e templos abrazados, e os habitantes acorrentados, mercadejando no balcão, padres misturados com meretrizes nas salas dos festins, hurrando nas suas poltronas d'onde não podiam arrancar-se, e levando aos beiços, para apagar a sede, copos que golphavam lavaredas; validos em joelhos sobre almadraques ardentes, com as mãos postas, e principes vertendo sobre elles devorante lava d'ouro fundido. Outros viram no inferno descampados sem limites, cavados e semeados por lavradores famelicos. E d'essas plantas fumegantes de suor, como nenhum fructo vingasse, os lavradores devoravam-se uns aos outros; e, depois, tantos quantos tinham sido, magros e famintos do mesmo modo, dispersavam-se em bandos pelos horisontes fóra em cata de terras mais ditosas, e eram logo substituidos por outras colonias errantes de condemnados.

Houve quem visse no inferno serranias cavadas de abysmos, de florestas gementes, poços sem agua, fontes de lagrimas, regatos de sangue, turbilhões de neve em desertos de gelo, barcos desesperados vogando em mar sem praia. Em fim lá viram quanto os pagãos tinham visto, o reflexo lugubre da terra, uma sombra incommensuravelmente augmentada de suas miserias, os seus naturaes soffrimentos eternisados, entrando