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O INFERNO

claridade ardente e purificante? E, se não podem negal-a, como ousariam affrontal-a? Mas, se querem que elles blasphemem, digam-nos qual das perfeições divinas elles negarão?

Ai! aos theologos aprouve que os condemnados negassem a que mais valiosa lhes seria. Os condemnados negarão a bondade de Deus; injuriando-o de máo, de cruel, de implacavel, de escarnecedor de suas agonias, de vingativo, de carrasco, e não juiz. Isto, com effeito, é que é blasphemar.

Mas estes impios discursos não os vociferam os mortos castigados por Deus; sois vós, scribas e doutores, que lh'os inventastes; e o que a isso vos levou foi o imaginardes um inferno perpetuo, e, pelo tanto, o effeito que o castigo esteril devia produzir sobre soffredores immortaes. Entrai mentalmente n'essa catacumba infecta, tomai por instantes o logar das victimas, e ousai fallar em bondade de Deus. Não acreditareis em tal. Máo grado vosso, a blasphemia vos fugirá da bôcca.

Os primeiros blasphemadores são, logo, os inventores d'aquelle imaginario supplicio. Á maneira dos idolatras, fraccionaram Deus, extremando entre justiça e bondade — attributos indistintos. De modo que essas presumidas blasphemias do inferno são sómente um ecco das que esbravejaram nas almas d'elles, ao contemplarem a sua obra.