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e velha, coberta com um tapete estreito. Os degraus estavam desgastados pelos pés, eram ondeados na superficie e esbatidos e arredondados nas saliencias primitivamente angulosas. Ao longo da parede, do meu lado, corria uma corda, que servia de corrimão; era de seda e denotava ao tacto pouco uso. Respirava-se um ar humido e impregnado das exhalações interiores dos predios deshabitados. Subimos oito ou dez degraus, tomámos á esquerda n’um patamar, subimos ainda outros degraus e parámos n’um primeiro andar.

Ninguem tinha proferido uma palavra, e havia o que quer que fosse de lugubre n’este silencio que nos envolvia como uma nuvem de tristeza.

Ouvi então a nossa carruagem que se affastava, e senti uma suppressão, uma especie de sobresalto pueril.

Em seguida rangeu uma fechadura e transpozemos o limiar de uma porta, que foi outra vez fechada á chave depois de havermos entrado.

— Podem tirar os lenços, disse-me um dos nossos companheiros.

Descobri os olhos. Era noite.

Um dos mascarados raspou um phosphoro, accendeu cinco velas n’uma serpentina de bronze, pegou na serpentina, approximou-se de um movel que estava coberto com uma manta de viagem, e levantou a manta.

Não pude conter a commoção que senti, e soltei um grito de horror.

O que eu tinha diante de mim era o cadaver de um homem.

IV

 

Escrevo-lhe hoje fatigado, e nervoso. Todo este obscuro negocio em que me acho envolvido, o vago perigo que me cerca, a mesma tensão de espírito em que estou para comprehender a secreta verdade d’esta aventura, os habitos da minha vida repousada subitamente exaltados, — tudo isto me dá um estado de irritação morbida que me aniquilla.

Logo que vi o cadaver perguntei violentamente:

— Que quer isto dizer, meus senhores?

Um dos mascarados, o mais alto, respondeu:

— Não ha tempo para explicações. Perdôem ter sido enganados!