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O pingo d’agua
A colera da Cuca foi medonha. Deu um urro de ouvir-se a dez leguas dali, tamanho e tão horrendo que por um triz Pedrinho não disparou na corrida. E outro urro, e outro, e mais de cem.
— Bérre, diaba! gritou o saci. Bérre até rebentar. Pingo d’agua não tem ouvidos, nem tem pressa. Esse que botei pingando nessa horrenda testa vai divertir-se em pingar no mesmo lugarzinho por cem anos, se for preciso. Sei que Cuca é bicho duro, mas quero ver se pode com um pingo d’agua que não tem pressa nenhuma, nem tem outra coisa a fazer na vida senão pingar, pingar, pingar...
A dor que a queda de um pingo atrás do outro já estava causando nos miolos da bruxa começava a crescer ponto por ponto. Cada novo pingo era um ponto mais de dor. Naquele andar ela não suportaria o suplicio nem um mês, quanto mais os cem anos com que a ameaçara o saci.
— Parem com esse pingo d’agua! berrou a bruxa.
O saci deu uma risada de escarneo.
— Parar? Tinha graça! Se estamos apenas começando, como quer você que paremos? Já arrumei tudo, de modo que o pingo pingue durante cem anos, e se não for suficiente isso, arranjarei as coisas de modo que depois desses cem anos pingue outros cem. Duzentos anos de pingo na testa parece-me uma boa conta, não acha?