Saltar para o conteúdo

Página:O abolicionismo (1883).djvu/224

Wikisource, a biblioteca livre

pessoas de má-fé que pretendem que, sem propaganda alguma, pela marcha natural das coisas, pela mortalidade e liberalidade particular uma propriedade que no mínimo excede em valor a 500 mil contos se eliminará espontaneamente da economia nacional se o Estado não intervier. Há outras pessoas também, capazes de reproduzir a multiplicação dos pães, que esperam que os escravos sejam resgatados em vinte anos pelo fundo de emancipação, cuja renda anual não chega a 2 mil contos.]

Este livro todo é uma resposta àquela pergunta. Vinte anos mais de escravidão é a morte do país. Esse período é com efeito curto na história nacional, como por sua vez a história nacional é um momento na vida da humanidade, e esta um instante na da Terra, e assim por diante; mas vinte anos de escravidão quer dizer a ruína de duas gerações mais: a que há pouco entrou na vida civil e a que for educada por essa. Isto é o adiamento por meio século da consciência livre do país.

Vinte anos de escravidão quer dizer o Brasil celebrando em 1892 o quarto centenário do descobrimento da América, com a sua bandeira coberta de crepe! A ser assim toda a atual mocidade estaria condenada a viver com a escravidão, a servi-la durante a melhor parte da vida, a manter um exército e uma magistratura para torná-la obrigatória e, pior talvez do que isso, a ver as crianças que hão de tomar os seus lugares dentro de vinte anos educadas na mesma escola que ela. Maxima debetur puero reverentia é um princípio de que a escravidão escarneceria vendo-o aplicado a simples crias; mas ele deve ter alguma influência aplicado aos próprios filhos do senhor. [1]

  1. “O resultado há sido este: em onze anos, o Estado não logrou manumitir senão 11 mil escravos, ou a média anual de mil, que equivale aproximadamente a 0,7% sobre o algarismo médio da população escrava existente no período de 1871 a 1882. É evidentemente obra mesquinha que não condiz à intensidade de intuito que a inspirou. Com certeza, ninguém suspeitou em 1871 que, ao cabo de tão largo período, a humanitária empresa do Estado teria obtido esse minguado fruto.”
    Jornal do Commercio, artigo editorial de 28 de setembro de 1882.