Página:O bobo (1910).djvu/147

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som duvidoso: defronte dele, e bem perto, uma porta rodava lentamente sobre os gonzos; era a do corredor que dava para a sala de armas. Egas pôs-se em pé, e apalpou o punho da espada. Lembrava-se perfeitamente de uma noite - fazia nesta três anos - em que assim a vira abrir, e passar um cavaleiro, cujo vulto semelhava o do conde de Trava. Esta noite lhe ficara gravada indelevelmente na memória, porque fora aquela em que vira Dulce pela última vez, partindo para o Oriente. A dois passos deles se aproximara o vulto encaminhando-se lento para os aposentos reais. Egas recordava-se bem desse instante de receio e delícias, em que na mão de Dulce unida aos seus lábios sentira palpitar o amor e o susto; em que ele vira cruzar-lhe o delírio celeste da felicidade à imagem de um assassínio. Agora esta imagem, então negra e maldita, como que lhe sorria, porque não se misturava com ideias de ventura, mas com as agonias da desesperação. Daquela vez um suor frio lhe manara da fronte ao arrancar o punhal do cinto: desta o seu espírito quase folgava ao imaginar que alguém se encaminhava para ali da sala de armas, e que ele tinha uma espada. Talvez Dulce aqui mesmo jurara a outro o amor que