Página:O bobo (1910).djvu/277

Wikisource, a biblioteca livre

Quantas vezes ele na sua desesperação acusaria a Providência por o haver tornado o maior dos infelizes! E contudo uma agonia que valera por todas as outras ainda não viera roer-lhe o coração. As toadas que haviam alegrado por algum tempo a noite da sua alma partiam das salas iluminadas dos paços, onde em banquete esplêndido o conde e a rainha celebravam as bodas da real pupila e herdeira dos Bravais com Garcia Bermudes, o nobre alferes-mor de Portugal. E ele não o sabia!

O som dos instrumentos começara a ouvir-se de novo, quando por cima daquelas melodias vibraram brados agudos mas longínquos, que pareciam o grito de alarma de esculcas que se punham sucessivamente de sobreaviso. Estes brados aproximavam-se cada vez mais, até que restrugiram nas barbacãs, depois nos andaimos das quadrelas, depois nos eirados das torres. Repetidos por muitas vozes, conglobados numa grita confusa e indistinta, formavam um ruído medonho, mas, para o cavaleiro que maquinalmente se pusera a escutá-los, ininteligível.

Para alguém, todavia, a significação deste bradar fora bem clara e distinta. Uma almenara se acendeu subitamente no cimo da torre alvarrã,