Página:O bobo (1910).djvu/279

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vultos negros e lampejantes precipitava-se para as barbacãs.

Uma esperança duvidosa alumiou então a alma do cavaleiro. O bradar das atalaias, o repentino arrojo dos homens de guerra anunciavam um perigo iminente; e que outro seria este perigo que não fosse a aproximação do infante?... Pela mente de Egas passou uma ideia refrigerante de liberdade e de vida. Alevantou as mãos ao céu, e as lágrimas lhe borbulharam dos olhos, até aí enxutos, ao murmurarem seus lábios: "Meu Deus, tu podes salvar-me! Salva-me, se não da morte, ao menos da ignomínia."

Mas quando se lembrou de que a noite correria sem combate, enquanto talvez não passasse sem que o desejo de vingança atroz se realizasse; quando reflectiu que o receio dos esculcas porventura fora vão, e que até mil outros sucessos podiam dar motivo àquela revolta, a ideia de salvação desfez-se de novo no espírito do prisioneiro, que um momento vacilara na certeza do suplício.

Encostando-se outra vez na sua dura jazida, Egas sentiu alongar-se a estrupida dos cavaleiros e voltar tudo gradualmente ao anterior silêncio, no meio do qual a claridade das altas almenaras, refrangida nas guardas da cárcova,