Página:O bobo (1910).djvu/311

Wikisource, a biblioteca livre

aqui. Fui eu que o guiei; eu que em nome dele chamei sua mulher; eu que os quero ver unidos. Eis quem eu sou; eis onde ele está.

E, puxando com força o pano negro da tumba, o cadáver de Garcia Bermudes com a sobreveste ainda ensanguentada, e com os olhos baços ferozmente abertos, apareceu diante de Dulce.

A desgraçada contemplou-o por alguns instantes; depois fitou a vista no cavaleiro: duas lágrimas caíam-lhe em fio pelas faces. Insensivelmente ajoelhou com a cabeça encostada ao féretro, e o murmúrio que sussurrava nos seus lábios era semelhante ao ciciar de ténue aragem passando na seara madura. Orava enfim: o sentimento de piedoso dever sobrevivia ainda naquele coração, aparentemente morto para todos os afectos. No gesto demudado do cavaleiro lampejou furor infernal ao ver Dulce naquela postura, ao ouvir as orações que murmurava. Segurou-lhe de novo o braço tentando erguê-la, mas Dulce alçou de novo os olhos para ele, e disse-lhe com voz branda e meiga:

— Egas, porque não rezais também por Garcia Bermudes? Era um nobre e generoso cavaleiro aquele que o destino quis fosse meu