Página:O bobo (1910).djvu/40

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e milagrosa; uma vida, na qual ao dia folgado de fartura e beberronia impensadas seguiam muitos de perfeita abstinência. A miséria, porém, criou-lhe uma indústria: Dom Bibas começou a sentir em si as inspirações de trovista e os garbos de folião: pouco a pouco a sua presença tornou-se tão desejada nas tabernas do burgo, como as cubas de boa cerveja, então bebida trivial, ou antes tão agradável como os eflúvios do vinho, que naquela época ainda escasseava algum tanto nas taças dos peões. A fama de Dom Bibas tinha subido a altura incomensurável, quando o conde Henrique assentou sua corte em Guimarães. Felizmente para o antigo oblato, o bufão que o príncipe francês trouxera de Borgonha, lançado entre estranhos, que mal entendiam seus motejos, conhecera que era uma palavra sem sentido neste mundo. Morreu declarando a seu nobre senhor, em descargo de consciência, que buscasse entre os homens do condado alguém que exercesse este importante cargo; porque sorte igual à sua esperava qualquer bobo civilizado da civilizada Borgonha no meio destes selvagens estúpidos do Ocidente. Na cúria dos barões, ricos-homens e prelados, que então se achavam na corte, propôs o conde o negócio. Havia votos que tal bobo se não procurasse.