Página:O bobo (1910).djvu/45

Wikisource, a biblioteca livre

dos cânticos e salmos, com as vibrações dos sons do órgão, no meio da atmosfera engrossada pelos rolos do fumo alvacento do incenso; em toda a parte e a todas as horas, o bufão tomava ao acaso o temor que infundia o príncipe, o barão ou o ilustre cavaleiro, e o respeito que se devia a dona veneranda ou a dama formosa, e tocando-os com a ponta da sua palheta, ou fazendo-os voltear nos tintinábulos do seu adufe, convertia esse temor e respeito numa cousa truanesca e ridícula. Depois, envolvendo o caráter da nobre e grave personagem, atassalhado e cuspido, num epigrama sangrento ou numa alusão insolente, atirava-o aos pés da turba dos cortesãos. No meio, porém, das risadas estrepitosas ou do rir abafado, lançando de passagem um olhar brilhante e vago ao gesto confrangido e pálido da vítima, e, como o tigre, recrudescendo com o cheiro da carniça, o bobo cravava de salto as garras naquele a quem ódio profundo ou inveja solapada fazia saborear com mais entranhável deleite a vergonha e abatimento do seu inimigo. Então a palidez deste pouco a pouco deslizava num sorriso, e ia tingir as faces do cortesão que havia instantes se recreava folgado na vingança satisfeita. Se era em banquete ou sarau, onde o fumo do vinho