Página:O bobo (1910).djvu/55

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porém, a melancolia e silêncio deste espectáculo nocturno as torrentes de luz avermelhada jorrando por entre os mainéis que sustinham ao meio das altas e esguias janelas as bandeiras e laçarias de pedra. Estes mainéis e bandeiras, formando flores e arabescos, recortavam de mil modos aqueles vãos afogueados e brilhantes, rotos através das listas alvacentas e negras, de que a lua arraiava a fronte do soberbo edifício. Na penumbra do extenso pátio que corria entre as muralhas e a frontaria do paço, branquejavam os saios dos cavalariços, [1] que tinham de rédea as mulas de corpo dos senhores e ricos-homens; cintilavam os freios de ferro polido e as selas à mourisca, tauxiadas de ouro e prata; ouvia-

  1. Os cavalleriços eram os servos que tractavam dos ginetes e cavalgaduras dos nobres. Dizemos o que eram porque d’elles não se faz menção alguma no Elucidario, e levissima em Ducange, verbo: Caballarius. Vê-se, porém, em que consistia este cargo servil de um instrumento de ingenuidade de 1033 (Collec. de var. privileg., T. 5.° Doc. 3.°). Fique dicto por uma vez que todos os nomes que empregamos, scenas que descrevemos, costumes que pintamos, são rigorosamente historicos. Facil nos fora sumir este romance em um pelago de citações; mas falece-nos» a furia da erudição. E não seria ella ridicula no humilde historiador de um humillissimo truão?