Página:O bobo (1910).djvu/88

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Esta espécie de delírio em que havia caído Garcia Bermudes - era ele o cavaleiro - o obrigou a sair precipitadamente da vasta e já mal alumiada sala, e a descer ao pátio interior, sem olhar para trás, sem encarar o bobo, cujo canto soturno findou numa destas gargalhadas, que não parecem vir da alma, e que contristam, porque, naquele que as solta, revelam alienação mental.

Garcia Bermudes parou: o pátio estava deserto: um cavalariço estirado a um canto dormia profundamente, com as rédeas da mula possante enfiadas no braço. O frescor da noite e a serenidade do céu cintilante de estrelas acalmaram o ânimo agitado do cavaleiro; mas o pulso batia-lhe violento e febril. O extravagante pesadelo de homem acordado, que tivera, não procedera do bobo: procedera do lance doloroso por que pouco antes passara. No meio do sarau, na ebriedade da festa, ele ousara finalmente o que até aí não havia ousado. Tudo quanto uma paixão sincera tinha veemente, enérgico, tempestuoso, tudo dissera a Dulce: esse amor, que com tanta arte ela soubera conter nos limites de mistério, deixara de o ser. Mas aquela alma, que parecia tão meiga, tão branda, tão fácil a todos os contentamentos, a todos os afectos, achou-a ele indomável