Página:O cabelleira - historia pernambucana (1876).djvu/18

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Muito se ha escripto do Pará e Amazonas desde que foram descobertos até nossos dias. Que valem porém todos os escriptos e narrações de viagem a semelhante respeito? Quasi nada.

O que elles nos põem diante dos olhos é o traço hirto, e não o musculo vivo e herculeo; é a ruga, e não o sorriso; é a penumbra, e não o astro; o que elles nos offerecem são fórmas tesas e seccas em lugar dos contornos brandos, delicados e flexiveis dos immensos panoramas e transparentes perspectivas dessas regiões paradisiacas.

Como pintar as myriadas de ilhas, rios, furos, igarapés, que se mostram aos olhos do viajante desde a foz do grande rio, desde a confluencia deste com os outros rios, que não têm conta, até suas nascenças, que durante muitos annos ainda hão de ser quasi inteiramente desconhecidas? Como pintar taes immensidades, si vencer um desses rios, um desses furos, um desses igarapés, deixar atrás ou de lado uma, dez, cem ilhas, é o mesmo que penetrar em novos igarapés, novos furos, novos rios, contornar novas ilhas?

Nem sempre porém a natureza sorri, ou protege, ou abraça; ás vezes ella encolerisa-se e, trocando os afagos da mãi carinhosa com as asperezas da madrasta desamoravel, repelle o homem por mil fórmas, e o impelle para mil perigos.

A colera, o açoite, a repulsa, o impulso, o puro franzir do sobr’olho da madrasta irritada são terriveis manifestações: é a tempestade que afunda mil vidas — o homem, a cobra, a onça, a ave infeliz que passava trinando venturas; é a correnteza que desaggrega, desfaz ilhas, e as apaga da superficie das aguas, e arranca o cedro, a palmeira, os quaes vão arrebatados no turbilhão, que os engole vestidos de virente folhagem para os vomitar escalavrados, nús, despedaçados, sordidos.

A pedra não resiste. A revolução arrasta-a com rapidez inconceptivel, e a vai levar em um momento a fundos abys-