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MONTEIRO LOBATO

panorama que viu, entretanto, foi bem diverso. Descortinou todo o lugubre passado da raça infeliz. Viu, muito longe, esfumado pela bruma dos seculos, o humilde kraal africano visado pelo feroz negreiro branco, que em frageis brigues vinha por cima das ondas, qual espuma venenosa do oceano. Viu o assalto, a chacina dos moradores nús, o sangue a correr, o incendio a engulir as palhoças. Depois, o saque, o apresamento dos homens e mulheres validos, a algema que lhes garroteava os pulsos, a canga que os mettia dois a dois em comboios sinistros, tocados a relho para a costa. Viu, como goélas escuras, abrirem-se os porões dos brigues para tragar a dolorosa carne de eito. E recordou o interminavel supplicio da travessia... Carga humana, cousa, fardos de couro negro com carne vermelha por dentro. A fome, a sede, a doença, a escuridão. Por sobre as cabeças da carga humana, um taboado. Por cima do taboado, rumores de vozes. Eram os brancos. Branco queria dizer uma cousa só : crueldade fria...

Viu depois o desembarque. Terra, arvores, sol — não mais como em Africa. Nada delles, agora — nem a terra, nem as arvores, nem o sol. Caminha, caminha ! Si um tropeça, canta-lhe o latego no lombo. Si cahe desfallecido, trucidam-no. A caravana marcha, tropega, e penetra nos algodoaes...