Página:O cortiço.djvu/197

Wikisource, a biblioteca livre

adiante trocavam-se queixas e recriminações; cada qual, mulheres e homens, sofrera o seu prejuízo. ou a sua arranhadura, e mostravam entre si, numa febre de indignação, os objetos partidos ou a parte do corpo escoriada.

Mas às nove da noite já não havia viva alma no pátio da estalagem. A venda fechou-se um pouco mais cedo que de costume. Bertoleza atirou-se ao colchão, estrompada; João Romão recolheu-se junto dela, porem não conseguiu dormir; sentia calafrios e pontadas na cabeça. Chamou pela amiga, a gemer, e pediu-lhe que lhe desse alguma coisa para suar. Supunha estar com febre.

A crioula só descansou quando, muitas horas adiante, depois de mudar-lhe a roupa, o viu pegar no sono; e daí a pouco, às quatro da madrugada, erguia-se ela, com estalos de juntas, a bocejar, fungando no seu estremunhamento pesadão, e pigarreando forte. Acordou o caixeiro para ir ao mercado; gargarejou um pouco d’água à torneira da cozinha e foi fazer fogo para o café dos trabalhadores, riscando fósforos e acendendo cavacos num fogareiro, donde começaram a borbotar grossos novelos de fumo espesso.

Lá fora clareava já, e a vida renascia no cortiço. A luta de todos os dias continuava, como se não houvera interrupção. Principiava o burburinho. Aquela noite bem dormida punha-os a todos de bom humor.

Pombinha, entretanto, nessa manhã acordara abatida e nervosa, sem animo de sair dos lençóis. Pediu café à mãe, bebeu, e tornou a abraçar-se nos travesseiros, escondendo o rosto.