seus pais que a deixaram nascer e crescer no cativeiro. Escondia-se de todos, mesmo da gentalha do frege e da estalagem, envergonhada de si própria, amaldiçoando-se por ser quem era, triste de sentir-se a mancha negra, a indecorosa nódoa daquela prosperidade brilhante e clara.
E, no entanto, adorava o amigo, tinha por ele o fanatismo irracional das caboclas do Amazonas pelo branco a que se escravizam, dessas que morrem de ciúmes, mas que também são capazes de matar-se para poupar ao seu ídolo a vergonha do seu amor. O que custava aquele homem consentir que ela, uma vez por outra, se chegasse para junto dele? Todo o dono, nos momentos de bom humor, afaga o seu cão... Mas qual! o destino de Bertoleza fazia-se cada vez mais estrito e mais sombrio; pouco a pouco deixara totalmente de ser a amante do vendeiro, para ficar sendo só uma sua escrava. Como sempre, era a primeira a erguer-se e a ultima a deitar-se; de manhã escamando peixe, à noite vendendo-o à porta, para descansar da trabalheira grossa das horas de sol; sempre sem domingo nem dia santo, sem tempo para cuidar de si, feia, gasta, imunda, repugnante, com o coração eternamente emprenhado de desgostos que nunca vinham à luz. Afinal, convencendo-se de que ela, sem ter ainda morrido, já não vivia para ninguém, nem tampouco para si, desabou num fundo entorpecimento apático, estagnado como um charco podre que causa nojo. Fizera-se áspera, desconfiada, sobrolho carrancudo, uma linha dura de um canto ao outro da boca. E durante dias inteiros, sem interromper o serviço, que ela fazia agora automaticamente, por um hábito de