dormia. Aproximou-se dela, pé ante pé, como um criminoso que leva uma idéia homicida.
A crioula estava imóvel sobre o enxergão, deitada de lado, com a cara escondida no braço direito, que ela dobrara por debaixo da cabeça. Aparecia-lhe uma parte do corpo nua.
João Romão contemplou-a por algum tempo, com asco.
E era aquilo, aquela miserável preta que ali dormia indiferentemente, o grande estorvo da sua ventura!... Parecia impossível!
— E se ela morresse?...
Esta frase, que ele tivera, quando pensou pela primeira vez naquele obstáculo à sua felicidade, tornava-lhe agora ao espírito, porém já amadurecida e transformada nesta outra:
— E se eu a matasse?
Mas logo um calafrio de pavor correu-lhe por todos os nervos.
Além disso, como?... Sim, como poderia despachá-la, sem deixar sinais comprometedores do crime?... Envenenando-a?... Dariam logo pela coisa!... Matá-la a tiro?... Pior! Levá-la a um passeio fora da cidade, bem longe e, no melhor da festa, atirá-la ao mar ou por um despenhadeiro, onde a morte fosse infalível?... Mas como arranjar tudo isso, se eles nunca passeavam juntos?...
Diabo!
E o desgraçado ficou a pensar, abstrato, de castiçal na mão, sem despregar os olhos de cima de Bertoleza, que continuava imóvel, com o rosto escondido no braço.